Overmundo - BR

From P2P Foundation
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URL = http://www.overmundo.com.br


Descrição

O Overmundo é um site colaborativo voltado para a cultura brasileira e a cultura produzida por brasileiros em todo o mundo, em especial as práticas, manifestações e a produção cultural que não têm a devida expressão nos meios de comunicação tradicionais.

Ser "colaborativo" significa que qualquer um pode se registrar e enviar conteúdos para o site. Nenhuma equipe de jornalistas, não importa seu tamanho ou competência, consegue cobrir ou filtrar a quantidade cada vez maior de coisas importantes que acontecem pelo país. O grande desafio proposto pelo Overmundo é o de que todos participem e contribuam para a difusão da produção cultural brasileira em toda a sua diversidade.

O Overmundo busca atacar de frente um grave problema do atual cenário cultural brasileiro: a produção cultural é cada vez maior, mas só uma mínima parcela dela consegue ser divulgada para o público. A maioria da produção cultural brasileira acontece sem quase nenhuma divulgação nacional (ou mesmo local), sem quase nenhum acompanhamento crítico sistemático, e quase sem chance de se conectar com produções semelhantes que acontecem fora de suas cidades e regiões.

O Overmundo nasceu com o intuito de criar uma alternativa a essa situação que tantos malefícios traz para a vida cultural nacional, buscando estimular a formação de comunidades que possam contar com produtores culturais de regiões diferentes, fortalecendo assim o conjunto da atividade criativa do país.

  • Tag: Cultura Brasileira / Site Colaborativo


Discussion

O GRITO ELETRÔNICO: uma análise do site Overmundo

Carlos Calenti

Resumo:

Esse artigo procura fazer uma análise das relações de poder no site Overmundo, exemplo brasileiro de uma Rede P2P. Analisamos as discussões que levaram a sua configuração atual e a forma com que hoje a comunidade participa de suas atividades. Também buscamos refletir sobre o motivo que levou à desmobilização atual dos seus colaboradores e à estagnação do site.


Abstract:

The subject of this paper it is the website Overmundo, an important example of a brazilian P2P practice, and its politics. Our goal it is to analize the discussions that lead to its current configuration and the way that the community participates of its activities. We also want to reflect on the reason of the current demobilization of its colaborators and the webiste stagnation.


Para introduzir esse artigo, sobre o site colaborativo brasileiro Overmundo, é necessário deixar claro que o grosso das análises e do processo de coleta de dados e intervenção no dia a dia da comunidade foi feito para a minha dissertação, “Relações de poder e produção de subjetividade nas mídias colaborativas: uma análise do site Overmundo”, apresentada na Escola de Comunicação da UFRJ em março de 2010. Portanto, há três anos atrás. Para qualquer site, três anos é muito tempo. Para uma página colaborativa, em que a comunidade tem grande peso nos processos decisórios e na organização do conteúdo, três anos deveria ser ainda mais determinante. É sintomático, então, que pouco tenha mudado nesse tempo – pelo menos se contarmos, como é o nosso caso, a estrutura de colaboração proporcionada pelo site, e não os seus meandros administrativos. De qualquer forma, para esse artigo procuramos atualizar as informações coletadas, e, para além das conclusões feitas com a dissertação, procuramos refletir também o que causou essa aparente estagnação do Overmundo, quando antes, uma de suas principais características era exatamente a sua constante transformação.


Apresentação e constituição

Está lá, na seção Ajuda, que explica o fundamento do Overmundo para os usuários de primeira viagem e desavisados em geral: “O Overmundo é um website colaborativo dedicado à difusão da produção cultural brasileira e das comunidades de brasileiros no exterior, com foco em seus aspectos que não costumam receber cobertura da grande mídia”. Aí estão dadas as bases do site: a divulgação da cultura brasileira de forma descentralizada, das manifestações que comumente não encontram espaços nos grandes veículos de comunicação. E, para fazer esse trabalho, para falar da cultura espalhada por todo o Brasil, e não só no eixo Rio - São Paulo, quem melhor do que os próprios moradores, ou fazedores de cultura espalhados por todo o país? Por isso o Overmundo é um site colaborativo, em que todos podem postar notícias, obras, comentar, discutir, produzir e etc. – sempre tendo como horizonte a nossa cultura. A partir dessa idéia central, o site se desdobra em algumas seções. As principais, voltadas especificamente para o trabalho de divulgação e discussão da cultura brasileira são: Overblog, onde se podem publicar matérias e entrevistas sobre a cultura brasileira; o Banco de Cultura, onde podem ser disponibilizados produtos feitos pelos participantes: músicas, vídeos, fotos, teses, poesias, contos e etc.; o Guia, onde os usuários podem publicar pontos interessantes de suas cidades (ou das que quiserem); e a Agenda, onde podem ser divulgados festas e eventos. Há também o Overmixter, uma espécie de outro site dentro do site, onde podem ser disponibilizados samplers, bases e vocais de músicas, ou as próprias músicas, para que elas possam ser remixadas (mas sobre o qual não trataremos nessa pesquisa). Outras seções servem mais como mecanismos compartilhados de funcionamento do site, como o Fórum de Ajuda e a edição colaborativa. Existem ainda os perfis de todos os usuários, que criam uma rede social em torno do Overmundo, e o Observatório, blog da equipe moderadora, que publica as últimas novidades, dentre outras coisas. Para a publicação de um conteúdo no site é necessário, primeiramente, o preenchimento de um cadastro, destinado à criação de um perfil que possa postar, votar e comentar.

Após essa etapa, já devidamente logados, os usuários vão para a parte publicar, onde eles escolherão a seção à qual sua colaboração se destina, dentre as já citadas. Para se publicar no Overmundo é preciso estar em conformidade com o fato de que qualquer coisa no site está sob uma licença Creative Commons BY-NC-SA 3.0, que significa que o conteúdo pode ser distribuído livremente e que se podem criar obras derivadas a partir dele, desde que se dê crédito ao autor, que não se utilize a obra com finalidade comercial e que a obra derivada seja protegida pela mesma licença. Na hora de publicar, pode-se escolher entre publicar o conteúdo automaticamente ou mandá-lo para a edição colaborativa, onde ele ficará durante 48 horas, tempo em que todos os membros da comunidade que quiserem podem sugerir alterações na colaboração, no caso, por exemplo, de erros gramaticais, de formatação na página, ou mesmo de informação, e etc., e também indicar se a contribuição está fora de lugar (cabe à moderação do site verificar se o alerta dado pelos usuários é válido ou não). Depois desse tempo, as colaborações são publicadas e vão automaticamente para a seção de colaborações recentes, onde ficarão em destaque durante mais 48 horas, recebendo votos dos usuários. Atualmente todos os usuários têm o mesmo peso do voto, ou seja, o voto de cada colaborador vale 1 ponto. Quanto mais o tempo passa, no entanto, um algoritmo diminui a pontuação, calculando assim os chamados overpontos. As contribuições com mais overpontos têm mais destaque no site – seja na sua home page ou nas páginas específicas de cada seção. Assim, as três colaborações para o Overblog com mais overpontos vão para a home, assim como as quatro mais pontuadas do Guia e da Agenda. No caso do Banco de Cultura, a colaboração mais votada de cada subseção vai para a página principal (as subseções são: poesia, texto ficção, texto não-ficção, artes visuais, cinema e vídeo e música). Esse sistema de votação garante que as coisas mais relevantes para a comunidade do Overmundo tenham mais visibilidade dentro do site.

A seguir discorreremos sobre o processo de formação do site e as mudanças constantes na sua história que o levaram à configuração que acabamos de descrever.


1.1. O Overmundo e seu processo constituinte

Como já falamos acima, o blog Observatório é uma seção do site que os moderadores utilizam para dialogar com a comunidade de colaboradores. Através dos seus posts, que remontam à 16 de março de 2006, eles publicam as mudanças pelas quais o Overmundo passa, as parcerias firmadas, os conteúdos que eles acreditam que valem ser ressaltados, dentre outras coisas. Nesse espaço também já ocorreram muitas discussões entre usuários e moderadores, tanto sobre mudanças já ocorridas quanto sobre os rumos que o site tomou e poderia tomar. Por ser um lugar dentro do Overmundo que une em si um registro tanto das suas transformações quanto das tensões e colaborações que ajudaram o site a chegar ao que é hoje, o escolhemos como o fonte principal para entender os caminhos de sua constituição.

Na arqueologia de seus posts, descobrimos, por exemplo, que antes da sua estreia aberta, no dia 7 de março de 2006, o Overmundo era um blog fechado para comentários. Isso durante três meses, em que a equipe construía o site tal qual ele veio a existir. Nessa época, quando foi ao ar já aberto às participações, o site era um tanto diferente quanto à publicação. Primeiramente todos os conteúdos tinham que, obrigatoriamente, passar por duas filas: a fila de edição, onde ele ficava durante 48 horas e cuja função é exatamente a mesma da edição colaborativa atual; e depois, automaticamente, para a fila de votação, onde ele ficava por mais 48 horas, recebendo os votos da comunidade. Só se a colaboração recebesse um determinado número de votos seria publicada (nesse começo eram 20, mas depois passou pra 40, 60 e por fim se tornou um algoritmo, transferindo uma decisão política antes de posse da moderação para uma ferramenta aparentemente “imparcial”, ainda que a transformação seja reflexo exatamente das constantes reclamações sobre a alta do número de votos de corte) – se não recebesse, iria somente para a página pessoal da pessoa que a propôs. Mas, desde esse primeiro post, uma reclamação, que repercutiu ainda durante muito tempo, com muitos usuários compartilhando da mesma opinião, era feita: o material demorava muito tempo a ser postado, as filas eram muito lentas. Em resposta a esse tipo de comentário, Hermano Viana, um dos idealizadores e fundadores do site, declarou nos comentários do blog: “(...) eu sei que demora. Podemos mudar isso... Mas o objetivo é que mais gente possa opinar sobre as colaborações, antes delas serem publicadas. Um dia seria muito pouco, não seria? Todo mundo teria que entrar aqui todos os dias para não perder nada”..

Também através do Overblog, mais especificamente do post Karmas, perfis e outras novidades, descobrimos uma outra importante ferramenta que foi determinante nas participações do site por muito tempo: o karma, sistema de reputação que influía diretamente na forma de publicação e no poder de cada usuário na definição do que era importante para a comunidade. A chegada do karma trouxe consigo uma diferenciação no peso dos votos de cada usuário – a partir desse momento, ele dependia do karma dos mesmos. E o karma era um número imputado a cada colaborador calculado em relação à participação desses no site: quanto mais ele tivesse participado, seja com votos, comentários, colaborações, votos de outros membros para as suas colaborações e etc., em menos tempo, e na maior diversidade de seções, maior seria o seu karma. Dessa forma, os overpontos garantiam (e garantem) que os temas de maior importância para a comunidade ganhassem maior destaque, e os karmas garantiam que as pessoas com maior engajamento na construção do Overmundo tivessem um peso maior na decisão do que era ou não relevante. O sistema que relacionava o número de pontos de karma com o peso do seu voto se dava assim: até 25 pontos, os votos tinha peso 1; 26 a 100, peso 2; 101 a 250, peso 3; 251 a 500, peso 4; 501 a 750, peso 5; 751 a 1000, peso 6; 1001 a 1500, peso 7; 1501 a 2500, peso 8; 2501 a 5000, peso 9; acima de 5000 pontos, peso 10. Assim, por exemplo, um colaborador com mais 5000 de karma, ao votar numa colaboração, lhe adicionava 10 overpontos. Nesse post em particular, quase todos os comentários elogiaram o sistema de karmas como uma forma de movimentar o site e estimular o envolvimento dos participantes.

No entanto, em posts futuros, fica latente um receio de que os chamados “fominhas de karma”, que comentam e postam e votam alucinadamente só para o aumento do karma, pudessem prejudicar a qualidade do que era publicado, pois no seu afã eles votariam em qualquer colaboração, e não naquelas que eles considerassem as melhores. Durante as discussões do Overblog, sejam aquelas postadas pelos moderadores ou as travadas no espaço dos comentários, o problema das panelinhas foi citado muitas vezes, como nesse comentário da colaboradora apple: “Panelas por aqui? Têm demais... o quê mais têm é ente votando ou deixando de votar após saber quem é o autor da publicação.”. E a questão de um certo desvio causado pelo karma também aparece: “O fato de os de maior karma terem poder de decidir que trabalhos ganharão posição de destaque é falho e acabou produzindo aberrações que comprometem a credibilidade do Overmundo. Isso porque qualquer pessoa pode se cadastrar no site, votar aleatoriamente e adquirir peso de decisão” (comentário de Antônio Rezende). Essas são discussões que se sucederam diversas vezes. O que ressalta a tensão existente tanto entre os usuários e o sistema criado pelos moderadores, quanto entre os próprios usuários, ou ainda entre grupos de usuários. E foram essas discussões que resultaram, eventualmente, no fim do sistema de karma e da prática de gamming, de utilização dessa ferramenta baseada na disputa por visilibilidade e não na real preocupação com a eleição dos melhores conteúdos para a comunidade. Acreditamos que o sistema de karma foi uma solução bastante engenhosa de organização do poder na comunidade, criando hierarquias flexíveis (pensando nas Redes P2P), dando mais poder àqueles membros mais engajados no exercício diário do Overmundo, caminhando sempre para um poder mais descentralizado quanto fosse possível. No entanto, ao acompanharmos o desenvolvimento do site, fica claro que essa experiência não deu certo – a hierarquização dos usuários baseada na participação acabou por se confrontar com o desejo de qualidade das colaborações. O Overmundo acabou virando uma espécie de jogo. E apesar de acreditarmos que disputas por poder sempre existirão, e não é diferente no ambiente das mídias colaborativas, essa em particular se tornou danosa para a própria existência do site.

Outra discussão recorrente no Observatório que acabou demandando uma ação da moderação discorria sobre as colaborações fora do lugar. Seja por estar deslocada na seção em que se encontra (um poema no Overblog, por exemplo), ou por não se encaixar de forma nenhuma no perfil do site. Assim, a coordenação criou uma ferramenta de edição chamada “colaboração fora de lugar”, como é explicado no post Novas ferramentas para socializar decisões. Essa ferramenta era na verdade um botão, situado abaixo do título das colaborações a partir da Fila de Votação, que todos os membros logados da comunidade podiam apertar no caso dos problemas citados acima, ou ainda de spam. Após um certo número de pessoas acionarem o botão, a colaboração era removida da seção a qual se destinava, e ficava visível apenas na página pessoal do colaborador (posteriormente, em outra mudança, a colaboração passou a ser removida completamente do site). O fato do número de votos necessários para um conteúdo ser removido não ser divulgado, feria, acreditamos, um dos conceitos das redes p2p: o holoptismo, em que as informações relevantes ao funcionamento do site deveriam ser socializadas também. E essa questão foi de fato um problema levantado. Essa opacidade era justificada como forma de evitar que o recurso virarasse um jogo entre grupos de colaboradores que quisessem prejudicar uns aos outros . Com o tempo (mais precisamente depois de oito meses), no entanto, pelos problemas levantados na comunidade (acusações de censura e perseguição), o botão foi alterado e se transformou em alerta (como é hoje), que, ao ser apertado, leva a uma página com várias possibilidades de desvios do conteúdo – fora da proposta editorial do site ou publicado na seção errada, conteúdo ofensivo ou discriminatório e publicidade / spam – a serem escolhidos (como é explicado no post Novidades nos trilhos). Essa reclamação é repassada para a moderação, que a partir daí tem o poder de decidir se o conteúdo deve ou não ser retirado do Overmundo.

Todas essas transformações evidenciam algumas características importantes do que foi o Overmundo e que podem nos ajudar a entender como ele se encontra hoje e o porquê disso. Primeiramente, elas denotam o quanto o Overmundo foi um site movimentado. Ainda que o gamming dos karmas tenha sido danoso para o seu desenvolvimento naquele período, ele também queria dizer que as pessoas se importavam com o site, com a visibilidade que ele proporcionava, com seu lugar naquela rede. De fato, todas essas discussões denotam uma grande preocupação da comunidade com os rumos do site. E o mais importante: a comunidade, através da manifestação contínua nos espaços do Overmundo, sempre teve a capacidade de transformar suas configurações. No entanto, como reverso da medalha, ao mesmo tempo em que a comunidade se engajou na constante melhoria e transformação da rede, essas transformações acabaram por ter um caráter desmobilizador: o fim da disputa por karma, a transferência de certas atribuições para algoritmos, a crescente centralização de poder nas mãos da moderação (como no caso do botão Alerta), e ainda outras, como o fim dos Fóruns, que eram espaços onde a própria comunidade podia pautar discussões sobre o rumo dos sites de forma espontânea, o que depois acabou confinado apenas nos comentários do Overblog. De qualquer forma, elas mostram o quanto a comunidade foi viva e determinou os caminhos que o Overmundo percorreu.


Relações de Poder

Partiremos, agora, para a análise do site como ele se apresentava em 2010, quando da coleta de dados a seguir, e que, em análise recente, pudemos constatar que pouco mudou. Para começar, falaremos da relação entre o site e as forças do mundo exterior que o atravessam incessantemente. Com isso queremos dizer que, apesar do nosso foco na pesquisa ter sido as relações internas de poder no site, não podemos deixar de ressaltar as relações do site com o seu fora.

E uma dessas relações está clara desde o início: a posição do Overmundo em relação às mídias de massa. O site surgiu exatamente desta tensão, da falta de atenção que a imprensa brasileira dava (e dá) às movimentações culturais que não estão centradas entre Rio de Janeiro e São Paulo. O Overmundo é claramente uma resposta a essa falta de cobertura, tentando divulgar a cultura do Brasil de forma mais abrangente e democrática. A escolha da internet como meio não é por acaso, e muito menos a utilização das ferramentas colaborativas. Pois foi através da internet e das mídias colaborativas, como facilitadoras da sua utilização para a produção e veiculação de conteúdos feitos por potencialmente qualquer um, que a luta pela democratização da comunicação ganhou novo ânimo. A web se tornou uma plataforma política, de luta dos trabalhadores imateriais por uma produção (e uma organização da produção) mais livre nos tempos em que sua vida é toda produtiva, e também muitas vezes apropriada nas redes do capitalismo cognitivo. O Overmundo foi buscar nas mídias colaborativas a possibilidade de fazer vozes de todo o Brasil se expressarem sobre a sua própria cultura. Pois essa era mesmo a forma mais propícia para se abarcar tantas manifestações espalhadas por um território tão imenso, não mandando alguns poucos repórteres cobrirem algumas poucas coisas, mas organizando um jeito das pessoas desses lugares poderem relatar suas vivências, e as reunindo num só lugar para dar visibilidade a esses relatos. E, ainda, dando-lhes poderes de decidir que assuntos e abordagens lhe são mais interessantes. Assim, o Overmundo se tornou uma rede produtiva, uma dessas em que o trabalhador imaterial produz sua própria subjetividade. O Overmundo se colocou dentro da própria luta da multidão.

E, nesse sentido, é muito coerente a relação do site com o Creative Commons. Todo e qualquer conteúdo publicado no Overmundo está automaticamente sob uma licença Creative Commons de propriedade intelectual. Essas licenças são ferramentas internacionais que reservam alguns direitos ao autor do conteúdo licenciado, ao mesmo tempo em que, num contraponto direto com as leis de copyright, também protegem o que são considerados como direitos da sociedade. Assim, em vez de “todos os direitos reservados”, temos o slogan “alguns direitos reservados”. O Creative Commons possui diversas licenças diferentes, com maior ou menor grau de abertura dos conteúdos à circulação sem o controle do produtor. A licença específica utilizada pelo Overmundo é a 3.0 Brasil. Sob as suas condições, todos os conteúdos podem ser copiados, distribuídos, exibidos ou executados e ainda há a possibilidade de se criar obras derivadas a partir dele. A idéia do Creative Commons e que é compartilhada pelo Overmundo, portanto, é a idéia de uma Cultura Livre (termo cunhado por Lawrence Lessig). Se pensarmos na incrível proliferação das redes de difusão e produção da informação que a internet possibilitou, na descentralização e distribuição dos papéis de produtores e consumidores, e em como isso é possibilitado pela livre troca de informações e pela livre comunicação, então a idéia do copyright como existe hoje é cerceadora dessa troca, que caracteriza, por exemplo, o próprio diálogo que o Overmundo cria. As leis de copyright são cerceadoras do próprio tecido produtivo que caracteriza o trabalho imaterial.

Esses projetos acreditam, então, numa idéia de cultura (e de informação) que possa circular livremente, sem constrangimentos, para que nesse processo de constante diálogo e propagação possa se enriquecer. E ainda assim garantindo ao autor um controle bastante largo sobre a sua obra, ao mesmo tempo em que possibilita ao resto da sociedade o livre usufruto dos seus trabalhos. Assim, ao utilizar tal licença o Overmundo se posiciona politicamente mais uma vez ao lado da luta da multidão. Nesse mesmo sentido, o Overmundo tem o seu código-fonte do site aberto, sob a licença CC-GNU GPL, livre para se aperfeiçoado pela comunidade, ou para ser usado por outras experiências colaborativas que queriam se beneficiar da estrutura básica do site, apoiando, assim, a importante luta do movimento do software Livre. Como vimos acima, o Overmundo se põe ativamente na luta pela democratização da comunicação e pela livre circulação (e produção) de informação. Falaremos a partir de agora de suas relações de poder internas.


2.1. Administração

A moderação do Overmundo detém alguns poderes exclusivos, mas, de fato, não podemos dizer que ela tem o maior poder dentro do site. Afinal são os seus membros como um todo que decidem como os conteúdos se organizam, e isso, no final das contas, nos parece a decisão mais importante do Overmundo. De qualquer forma, os poderes da administração são obviamente fundamentais no seu funcionamento e é sobre eles que nos deteremos agora.

Pra começar, falaremos de um dispositivo que define muitas relações no Overmundo e que é pouco observado como uma ferramenta importante de distribuição de poder no site: o algoritmo que define os overpontos. A sua forma de cálculo, organizadora também dos conteúdos, é definida pela moderação, e nisso, por trás do que seria uma decisão técnica, há uma forte direção política. Assim, conforme diversas mudanças do site eram feitas, também se alterava o calculo dos overpontos. No começo, a equação era como é hoje, uma relação entre o número de votos na colaboração e o tempo dessa colaboração no ar, ou seja, quanto mais votos mais pontos, mas quanto mais tempo menos pontos. A ideia que definiu esse cálculo, ou que pelo menos colocou o tempo como fator determinante, é que, se não fosse assim, as colaborações com mais votos ficariam por muito tempo na home, não dando espaço e visibilidade para as novas. Com a diminuição dos pontos conforme o passar do tempo, o site fica mais dinâmico – e também, por tabela, promove a disputa pelas melhores posições na página principal. Quando os karmas chegaram, no entanto, o algoritmo teve que ser mudado. Como o número do karma mudava o peso do voto de cada usuário, fazendo-o valer de 1 a 10, o algoritmo teve que inclui no cálculo o peso dos votos.

E, aí, outro algoritmo entrava em cena: o que calculava o próprio karma, avaliando matematicamente a participação dos membros nas mais diversas seções do site e, a partir daí, decidindo qual usuário merecia mais poder, levando em conta a diversidade do engajamento – para o aumento do karma tinha que postar, comentar, votar, receber votos e comentários, e não se concentrar em uma só seção, mas procurar participar de todas. A própria decisão de levar em conta a participação mais distribuída veio de discussões com a comunidade, para evitar que aquelas pessoas que postavam seguidamente e apenas em uma seção tivessem maior karma em detrimento dos que tentavam ter uma participação mais abrangente. Outra mudança da equação do karma e que surgiu das discussões, e também da percepção de que o sistema estava sendo desviado do seu objetivo inicial, foi a eliminação do peso do voto alheio na sua contagem, como explica melhor o post Karma do bem do Observatório: “Hoje, se alguém com karma 10 vota em uma colaboração, o autor da colaboração também ganha 10 pontos para o karma pessoal. Isso pode alimentar a possibilidade de gaming e panelinhas entre karmas altos. A mudança será a seguinte: quem tem karma 10 vai continuar tendo seu voto valendo 10 e atribuindo 10 pontos à colaboração. Mas a pessoa que ganhou o voto vai computar apenas 1 ponto para seu karma (ou seja, independente de quem vote, o acréscimo no karma vai ser unitário)”. É importante ressaltar mais uma vez que essas decisões foram todas políticas, com o intuito de descentralizar o poder, e que foram tomadas com o suporte de conversas tidas com a comunidade; mas, é claro, com a palavra final da moderação.

Posteriormente, com o fim dos karmas, os overpontos voltaram a ser calculados apenas em relação aos votos e ao tempo de permanência no site. Outro algoritmo que desapareceu com as últimas mudanças no Overmundo foi o que calculava o número de corte para votos mínimos na extinta Fila de Votação. Esse cálculo levava em conta o número de usuários do site e também o número de membros ativos para definir quantos votos eram necessários para a publicação dos conteúdos no site, assim era calculado através das movimentações da própria comunidade. Além da óbvia importância política do cálculo definir o que vai ou não vai ser publicado no site (claro que em conjunto com a participação ativa e muito mais fundamental dos membros do Overmundo), ele, como já explicitado, foi criado com o claro intuito de diminuir as tensões da moderação com a comunidade. Nossa intenção, então, é deixar claro que a própria delegação de certos poderes muito importantes para uma operação matemática é um ato político, e que, tendo nas mãos a definição desse cálculo, ele está a cargo da moderação. Não há imparcialidade nesse dispositivo técnico: ele está carregado de intenções, e é importante estar ciente disso.

Outro poder que, apesar de contar diretamente com a participação dos usuários do site, no final das contas está nas mãos da moderação, é o de decisão sobre a validade ou não dos Alertas dados sobre as colaborações. Como explicado, o Alerta é um botão que está em todas as colaborações, e que deve ser acionado no caso de colaborações fora de contexto, spams ou conteúdos intolerantes. O Alerta é mais um dispositivo de edição, para manter o foco do site, e, sim, está nas mãos da comunidade lhe acionar. No entanto, a decisão final ainda está a cargo da administração. Já discorremos anteriormente sobre isso, mas o desenvolvimento do Overmundo deixa claro, por um lado, a transferência de decisões para aparatos técnicos e, por outro, uma maior concentração de poderes nas mãos dos moderadores.


2. 2. Colaboração

Claramente a administração reserva um poder muito grande no Overmundo. Poderia se dizer que é o maior: excluir quaisquer colaborações e membros, mudar as regras do site quando lhe aprouver, etc. Mas também acreditamos no contrário. Um grande poder está nas mãos da comunidade. A ela que é dado, como um todo, a tarefa de organizar as informações no site a partir do seu voto. E, principalmente, o site só funciona com a sua participação. Acreditamos que nas mídias colaborativas em geral, o real poder é dos seus colaboradores, e não dos “donos” dos sites. Se a comunidade se voltar em conjunto contra a administração, há pouco ou nada a se fazer. Se ela debandar, não há mais site, não há mais sentido – a rede colaborativa que se forma é que é importante, no fim das contas. Por isso insistimos no peso dos membros do site. Mas, é claro, as disputas e a cooperação no Overmundo não se resumem na relação entre usuários e moderação. Dentro da comunidade há linhas de forças se entrecruzando constantemente, e é sobre essas forças que falaremos agora.

Concentraremos-nos nas colaborações das seções Overblog e Banco de Cultura. Essa última, particularmente, nos parece a mais interessante, por formar em torno de si uma rede social mais sólida. Por isso começaremos por ela. Apesar do maior destaque dado ao Overblog na própria Home do site, é no Banco que se concentram a maior parte das colaborações. Em janeiro de 2010 foram 580 publicações contra 76 do Overblog, 11 do Guia e 123 da Agenda; em fevereiro do mesmo ano foram 428 do Banco, 61 do Overblog, 16 do Guia e 102 da Agenda (dados retirados do Relatório Overmundo de Monitoramento, dos meses de janeiro e fevereiro de 2010). Acreditamos que essa maior participação dos usuários (que não se reflete automaticamente no número de visitas e pageviews) se dá exatamente pela rede social criada ao redor da seção. Rede que criou seus próprios usos, subvertendo as expectativas que a moderação tinha para o Banco quando o site foi criado – era esperado que a seção servisse para obras inteiras: discos completos, livros, coletâneas de fotos e etc., e o que aconteceu foi que o Banco é muito mais recheado de poesias e fotografias avulsas, faixas de músicas únicas e crônicas soltas. Mostrando o poder da comunidade de mudar os caminhos do site através do uso que faz dele. Dentre esses conteúdos publicados no Banco, é inegável que a maior parte consiste em poesias, e elas são as mais votadas e comentadas também. Segundo nosso relatório de acompanhamento do site, durante o mês de fevereiro de 2010 cerca de 70% das contribuições mais lotadas da seção eram poesias. Acreditamos que parte do apelo do Banco consiste nele ser um espaço praticamente livre (principalmente com o fim da votação mínima para publicação) para publicação de obras artísticas. E, nesse contexto, a poesia descobriu uma rede social única. Se sites de compartilhamento para vídeos ou músicas são muito mais fáceis de se encontrar web afora, como SoundCloud, Youtube, e etc., o mesmo não pode ser dito para a poesia. Segundo Viktor Chagas (moderador do Overmundo), “No caso da poesia especialmente, não havia outro espaço na rede que abrisse suas portas para a poesia tão claramente. Para as fotos, havia o Fotolog, e depois o Flickr. Para as músicas, o mySpace, o Tramavirtual, etc. Mas as poesias não tinham espaço. E, aos pouquinhos, esses poetas começaram a se unir ali no Banco, a ponto de hoje o Overmundo ser reconhecido como um site de poetas em várias localidades diferentes”.

O primeiro fato para nos atinar para o Banco como uma rede social foi a constância dos mesmos colaboradores não só publicando, mas também comentando as obras. Fato que ainda hoje, em 2013, se mostra correto. Inclusive muitos dos usuários constante do Banco hoje são os mesmos de quando a pesquisa foi feita. Principalmente nas poesias, mas não só – os colaboradores constantes, apesar de preferirem os poemas, também publicam nas subseções de artes visuais (normalmente uma foto com um poema acompanhando), de textos ficção e de textos não-ficção. Segundo RECUERO (2008) uma rede social é constituída quando seus usuários podem criar perfis individuais públicos e quando suas ligações com outros usuários podem ser aferidas, ou seja, podemos ver a interação entre esses perfis. Tudo isso pode ser encontrado no Overmundo. Temos os perfis (que podem ser acessados facilmente na seção Perfis, na página principal), e nesses perfis, além das informações pessoais dos usuários, podem ser encontradas as suas colaborações favoritas de outros perfis, e também as colaborações mais recentes de seus autores favoritos.

Para entender melhor como essa rede social funciona, eu resolvi participar ativamente dela. Eu já tinha um registro como Carlos Calenti desde 2006. Para entrar como um novato e também para fazer comparações entre publicações nos dois perfis (como veremos adiante), criei um novo perfil. Devido à necessidade, em 2010, de CPF para o registro de novos membros em 2010 (se o nome registrado não fosse o mesmo do CPF o perfil não era criado), usei o nome e o documento de um amigo: Anderson Luis. Com esse perfil passei a comentar todos os dias nas poesias da home e nas mais votadas (que ficavam na primeira página do Banco de Cultura), e, assim, passei a reconhecer aqueles colaboradores mais assíduos. A partir desse contato, comecei a receber mensagens pessoais, na caixa postal encontrada na página do meu perfil – praticamente todas pedindo votos para suas colaborações no Banco. O registro foi feito no dia primeiro de fevereiro de 2010. Até o dia 10 de março do mesmo ano foram enviadas para a caixa postal 58 mensagens. Dentre estas, duas mensagens eram da equipe moderadora do Overmundo, três eram de boas-vindas de outros usuários, que me perceberam pelos comentários, uma era uma resposta a uma mensagem enviada pelo meu perfil, e o resto, 52 mensagens, eram de pedidos de leitura e voto.

Como eu disse, essa relação começa mesmo nos comentários das colaborações. Normalmente os comentários no Banco se resumem a elogios, pequenas concordâncias com o texto, e muito poucos tentam discutir a obra mais profundamente. Apesar de muitas vezes o autor da colaboração responder aos comentários, isso não perfaz tanto um diálogo, quanto um agradecimento. Os comentários servem para confirmar que você leu, gostou, que está acompanhando o histórico desse membro no site, que ele está sendo visto. A partir desse contato, a relação se expande para a caixa de mensagens – onde uns pedem votos aos outros. Toda essa movimentação é, acreditamos, uma busca por visibilidade. Quanto mais votos, mais bem colocada a colaboração estará na página do Banco. Se ela for muito bem votada, ela pode inclusive aparecer na home – isso é visibilidade para o trabalho e para o próprio colaborador. É sinal de distinção entre a comunidade específica. Ainda que a prática de gamming tenha efetivamente diminuído com o fim dos karmas, a busca pela visibilidade do próprio conteúdo não diminuiu, pelo contrário, nesse caso parece ser ainda o grande motivador de toda essa rede de relacionamentos em torno do Banco de Cultura. Então, quem comenta mais, quem estabelece mais relações, acaba tendo uma maior probabilidade de ter uma quantidade suficiente de votos para se tornar visível na comunidade. A rede que se cria, claro, também pode se juntar para protestar. Tal rede é muitas vezes tratada dentro do site, por outros colaboradores, como panelinha. Panelinha que pode influir, inclusive, em outras áreas do Overmundo.

Apesar de poucos colaboradores do Banco escreverem no Overblog, quando isso acontece, eles tem bastante facilidade de ir para a página principal. Mesmo que a colaboração não se encaixe no perfil da seção ou do site. Foi o que aconteceu com uma colaboração de Greta Marcon, que publicou no Overblog um texto sobre um médico naturalista dando dicas para a saúde, sem qualquer relação com a cultura brasileira. Essa colaboração chegou a home, mesmo que em terceiro lugar, mas ainda assim na seção de maior visibilidade do site. Depois foi retirado do ar, provavelmente pelo acionamento do botão de alerta, mostrando que mesmo com as vantagens das tais panelinhas, outros mecanismos de edição do site tratam de, na maioria das vezes, corrigir esses desvios. Outro caso foi a colaboração Intervenções urbanas, coletivo “OH! São Paulo”40, de Cíntia Thome, outra poeta que colabora constantemente no Banco. Diferentemente da colaboração de Greta, no entanto, essa tratava de um coletivo brasileiro de graffiti, ou seja, de uma expressão da cultura do país. O interessante aqui é a quantidade de votos (50) e de comentários (34), que levou a colaboração para primeiro lugar na home. A quantidade de votos foi grande, maior do que o normal para a seção (a que estava no ar no dia 10 de março de 2010 em primeiro lugar, por exemplo, teve 35 votos), mas a quantidade de comentários foi muito mais surpreendente para a seção, na qual as colaborações dificilmente conseguiam mais de 10 comentários, ao contrário das de poesia no Banco, que muitas vezes passavam dos 20. O que mostra a força da rede social formada no Banco, sobre a qual não vemos paralelo em nenhum outro espaço do Overmundo. Particularmente, pensamos nela com uma das suas grandes movimentadoras, tanto em 2010 quanto em 2013.

Por acreditar na importância dessa rede dentro do site, priorizei a minha participação ativa no Overmundo nesse espaço. Como disse, como Anderson Luis comecei a criar uma relação com as pessoas que freqüentavam essa seção constantemente. Então, no dia 25 de fevereiro de 2010, eu postei uma poesia como Anderson Luis, chamada Paramaribo, e outra como Carlos Calenti, chamada nove estórias, colocando as duas para passar pela edição colaborativa e sem pedir votos para nenhuma delas. A poesia postada sob o nome de Anderson, recebeu seis votos e nove comentários, sendo um comentário do próprio perfil Anderson Luis, agradecendo. Já a postada sob o perfil de Carlos Calenti, recebeu dois votos e dois comentários, um do próprio perfil respondendo uma pergunta feita. É importante ressaltar que também não votei nas minhas próprias colaborações. Assim, podemos ver, o fato do perfil Anderson Luis ter uma relação anterior, claramente ajudou na maior votação, e conseqüente pontuação, no site. Sem pedir votos, já ter sido percebido pela comunidade fez uma grande diferença. Posteriormente, no dia 28 de fevereiro, postei outra poesia como Anderson, certo sbilhetes e nada mais, e no dia dois de março, uma como Carlos, Rodoviária. Para as duas eu pedi votos (para 16 colaboradores freqüentes cada uma), também as coloquei na edição colaborativa e não votei em nenhuma. Dessa vez, ambas as colaborações receberam o mesmo número de votos, 15 cada uma, mas enquanto a colaboração sob o nome de Anderson Luis teve 21 comentários, a publicado sob o nome de Carlos Calenti, teve 15. Além disso, por ter recebido os votos mais rapidamente (lembrando do algoritmo que leva em conta o tempo de exposição da colaboração) a poesia sob o perfil Anderson Luis chegou à home do site, sendo, então, o poema com mais overpontos naquele momento, enquanto o máximo que a poesia sob o nome de Carlos Calenti chegou foi à terceira mais votada. Assim, fica mais clara a importância de se pedir votos para ter maior visibilidade na seção do Banco de Cultura, prática que ancorada numa prévia relação com a comunidade interessada tem ainda mais efeito.

Ao entender melhor tais processos, perceber como essa rede social específica se forma, pudemos enxergar também como ela concentra poder na comunidade. Tendo uma relação mais coesa, esses usuários podem, através da votação, definir colocações, inclusive em seções que não o Banco, como vimos, e também têm mais força na hora de protestar, fazer pressão, e etc. Tal poder, acreditamos, causa desconforto em quem não participa da (e costuma chamar de) panelinha. As reclamações são na maioria (principalmente na época dos karmas) sobre a falta de qualidade de algumas colaborações que acabam ganhando destaque devido a essa rede. Percebemos aí uma tensão principalmente entre colaboradores do Banco e do Overblog. Não que não existam intercâmbios entre as duas seções, que não seja possível que um mesmo membro contribua para ambos os espaços. Porém, isso não é o usual. Como exemplo para a tensão, podemos usar uma conversa acontecida no Observatório, que discutia os convites para ler colaborações. Um dos comentários que nos pareceu pertinente foi o de Egeu Laus: “Eu pessoalmente já relaxei. Encontro meu perfil cheio de mensagens e não me incomodo, não. Acho que é o preço. Procedo assim: se for do Banco, deleto. Repito: deleto. Sei que devo estar perdendo boas contribuições mas optei por agir assim. No momento não estou interessado. Posso mudar de idéia no futuro”. E, ainda que não respondendo diretamente a Egeu, o comentário de dudavalle vai na linha oposta, defendendo a importância do Banco: “Sobre as seções do site - ainda acho e continuo defendendo-atacando que o banco de cultura deveria ser o destaque da pagina inicial e não o overblog”. Acreditamos que, direta ou indiretamente, ambas as falas demonstram certa tensão entre as seções. Segundo Vikto Chagas, moderador do Overmundo, “O que acontece é que os colaboradores do Overblog se formaram fundamentalmente a partir da rede inicial de overmanos - aqueles 28 colaboradores iniciais do site, cada um foi chamando outro, que foi chamando outro etc. Já os colaboradores do Banco se formaram de forma mais espontânea, porque nós começamos o site com ‘zero’ colaborações no Banco. Os caras foram chegando, chegando e ocuparam aquele espaço. Um movimento bem interessante. Mas o problema é que os colaboradores do Banco têm um perfil mais caótico, nesse sentido de ‘comprometimento’ de que falei antes, são pessoas que estão mais preocupadas em expor seu trabalho e menos preocupadas na construção coletiva. Isso não é ruim, é claro, mas gera um certo embate com quem viu aquele espaço surgir como um ambiente colaborativo coletivo”. Ele continua dizendo que, no entanto, talvez o ranço maior parta dos usuários do Banco em relação aos do Overblog, pois enxergariam o último como um lugar dos “intelectuais”, da reflexão sobre a cultura, criando uma certa rixa entre “poetas” e “intelectuais”, que, no site, interessantemente, não são figuras que costumam se misturar.

Em primeiro lugar, o Overblog conta sim com a vantagem de ter a maior visibilidade do site, estando em destaque absoluto na home, evidenciando assim uma escolha consciente dos criadores do Overmundo. O que faz sentido com o projeto do site de divulgar a cultura brasileira – as matérias do Overblog costumam fazer esse trabalho (é certo afirmar, no entanto, que já fizeram melhor, mesmo se compararmos 2010 com 2013), falando sobre fenômenos culturais espalhados por todo Brasil. Além disso, o Overblog sempre foi um espaço onde, mesmo com menos comentários e overpontos, em que era possível um maior envolvimento na construção coletiva das próprias colaborações, no espaço dos comentários, que muitas vezes trazia discussões que complementavam e lançavam novas luzes sobre o assunto tratado, algo que acontecia bem menos no Banco. No entanto, ao analisarmos as postagens no Overblog atualmente, percebemos que essa característica parece cada vez mais rara. De fato, poucas colaborações sequer ultrapassam a marca de um comentário. Outro sinal do abandono da comunidade em relação a esse espaço é o grande número de colaborações que no passado seriam rapidamente defenestradas: propagandas, posts que nada tem a ver com cultura brasileira, textos religiosos, etc. Se existe alguma comunidade minimamente viva hoje no site é aquela constituída no Banco: são eles os mais engajados diariamente nos processos do Ovemundo, comentando e postando todos os dias, estabelecendo e reforçando relações, lendo muitas colaborações e votando nelas regularmente.


Conclusão

Voltar, como pesquisador, ao Overmundo em 2013, não posso deixar de expressar, foi sim decepcionante. O escolhi como objeto de pesquisa ainda antes do mestrado, quando fiz minha monografia de conclusão do curso de jornalismo, em 2007. E essa escolha se deu pela importância do site na web brasileria, que, inclusive, tinha, e ainda tem, um dos maiores PageRanks do país. De fato, o espaço que sempre ocupou, de divulgador de expressões culturais brasileiras com pouca visibilidade, continua sendo fundamental e pouco explorado. A aposta na colaboração para exercer esse papel, como explicitamos, também nos parece ao mesmo tempo óbvia e inovadora. Mas por que, então, um site que já foi tão vivo, hoje nos parece tão estático? Bauwens (on-line), ao falar das Redes P2P, conceituação sob a qual podemos localizar as mídias colaborativas e o Overmundo, diz que elas são caracterizadas por serem redes distribuídas, baseadas na livre cooperação, em que qualquer pessoa pode participar, em que há uma horizontalidade no acesso às informações relativas à rede, em que a hierarquia é flexível e baseada nos méritos dos usuários e que produz um tecido comum de produção, um commons. E, certamente, muitas dessas características ainda se aplicam ao site: qualquer um pode colaborar e, de certa forma, participar da organização do site pelo votos. Mas, se olharmos mais atentamente, também é patente o quanto o Overmundo se afastou, mesmo que poucos passos, desses principios. O karma garantia uma hierarquia flexível que fazia com que os mais engajados na comunidade tivessem mais poder decisório (e que muitos buscassem esse espaço e se engajassem mais), mas ele não existe mais. Assim como os Fóruns, que garantiam que todos pudessem pautar suas discussões em relação aos rumos do Overmundo. E nem todas as informações estão de posse da comunidade, como as decisões acerca das colaborações fora de lugar. Se no começo o Overmundo parecia alienar aqueles usuários que não estavam dispostos a ter um engajamento maior no site para poder postar seus conteúdos, aos poucos o jogo se inverteu e ele passou a afastar exatamente aqueles mais preocupados em se envolver com as suas decisões e o seu dia a dia. Alia-se a isso o fato de que a seção mais movimentada do site hoje seja o Banco de Cultura, que nunca foi vista pela moderação como a mais importante, e, ao nosso ver, temos os fatores decisivos para que o Overmundo hoje não seja mais palco de grandes engajamentos da comunidade, de discussões nos comentários, de disputas acirradas, de transformações contínuas. No dia 13 de dezembro de 2012, o Observatório publicou um post relatando uma mudança no comando do site, que diz: “Não pode ser maior a alegria portanto, nem mais profundo o sentido, de anunciar a nova parceria, com o cavaleiro do Overmundo passando agora a ser abrigado pela rede de coletivos do FdE. A partir de hoje o site entra em nova etapa, com a turma do Fora do Eixo assumindo sua condução e animação, renovando o impulso da trajetória comum e a vocação do Overmundo para a promoção de novos 'links' de criações e criadores de cultura de todo o Brasil. “ No entanto, até o momento, março de 2013, não foram notadas muitas mudanças na gestão do site. O Fora do Eixo parece, por enquanto, mais interessado em usar o site como difusor de conteúdo do que como rede de construção coletiva. Ficamos na expectativa, então, de que isso possa mudar e que todas as potencialidades criativas e políticas dessa plataforma possam se reanimar e voltar a ocupar seu espaço merecido nas discussões da cultura e da mídia alternativa brasileira.

BIBLIOGRAFIA

  • ANTOUN, Henrique. De uma tela à outra: a explosão do comum e o surgimento da vigilância participativa. In: ANTOUN, Henrique (Org.). Web 2.0: participação e vigilância na era da comunicação distribuída. 1. ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.
  • BARROS, Laura Pozzana de, KASTRUP, Virgínia. Cartografar é acompanhar processos. In: PASSOS, Eduardo, KASTRUP, Virgínia, ESCÓSSIA, Liliana de (Orgs.). Pistas do método cartográfico: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.
  • RECUERO, Raquel . Praticas de sociabilidade em sites de redes sociais: interações e capital social nos comentários do Fotolog.com. In: ANTOUN, Henrique. (Org.). Web 2.0: participação e vigilância na era da comunicação distribuída. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.



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